A primeira edição de Chove nos campos de Cachoeira foi publicada em 1940, depois que o romance ganhou o prêmio “Dom Casmurro” oferecido pela Editora Vecchi. O prêmio e a publicação deste seu primeiro livro abriram caminho para que Dalcídio Jurandir se tornasse um dos mais importantes autores brasileiros do século XX, com uma obra que revela o universo urbano e provinciano de uma região afastada dos grandes centros, ao mesmo tempo em que toca naquelas questões universais do ser humano que permeiam toda boa literatura.
A este romance seguiram-se outros nove para formar uma série que ficou conhecida como “Extremo-Norte”, reunindo as principais obras do autor.
Reeditado em 1976 pela Editora Cátedra e esgotado desde então, Chove nos campos de Cachoeira chega agora às mãos dos leitores do século XXI numa versão inédita, preparada a partir de anotações, correções e emendas feitas pelo próprio Dalcídio num exemplar da primeira edição – localizado recentemente na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, para onde foi doado o acervo do escritor – após minucioso cotejo e preparação do texto pela professora e pesquisadora Rosa Assis.
Como aquelas obras clássicas que sobrevivem ao tempo, Chove nos campos de Cachoeira é um romance que vai muito além do regionalismo (presente tanto no estilo quanto no universo retratado pelo autor), revelando novos e diversos sabores aos leitores de hoje.
Leia um trecho de Chove nos campos de cachoeira:
"Quando as chuvas voltavam, então era que d. Amélia sentia mais desejos de levar Alfredo para Belém. Já está crescido, ele, mas tudo pode acontecer com aquelas águas que iam e vinham, mornas e silenciosas. Os jijus vinham na enchente e para Alfredo não pareciam peixes, pareciam filhos de sapo e de cobra. No chalé não se comia daquele peixe porque era como se comesse lama. Mas Alfredo gostava das grandes chuvas. Podia ter medo mas era enorme a sensação de ouvir, uma noite, o ronco dum jacaré debaixo da casa. As montarias andavam pelos campos. Didico ia com o seu pequeno barco pegar porfia com o barco do Roldão, na lagoa atrás da casa do Dr. Adalberto. Aqui, deste lado de Cachoeira, não se andava mais a pé, se navegava.
Alfredo sentou-se na escada. O caroço nos campos, perdido. Agora tem que ir ao tanque escolher outro que fale, lhe mostre os prados da Holanda, o arranque destes escampados mormacentos.
A vila caía num sono como uma menina doente. Por que sua mãe não resolvia logo o caso do colégio? Alfredo não sabia que voltava com a escura solidão dos campos queimados, estava mole, com um indefinido esmorecimento. Ouve sempre Major Alberto dizer a d. Amélia:
– Uma gente que não se corrige. Não se convencem que não devem queimar os campos. Por que... Ouviste? Psiu. – Major puxa pela manga da blusa de d. Amélia. – Por que... Esteriliza... Ouviste? – Major explica, e Alfredo ouve a explicação, meio sonolento. Quando está em sua rede, à noite, sempre ouve os dois conversarem, e a conversa toma um ar misterioso, um ar de histórias que eles contassem para o adormecer. D. Amélia pouco fala. A voz dela vai para o quarto naquele mesmo tom com que pediu a ele que não contasse a queda no poço. E naquela noite, última noite em que Major Alberto falou dos campos comidos pelo fogo, lá fora, o clarão era grande e Alfredo sonhou que o fogo também queimava o chalé e via as mãos de sua mãe como carvões. Alfredo tem um sono como aqueles campos ardendo, como aquela noite queimada. E quando o vento cresce sobre o chalé ouve-se gemer a terra e a noite que o fogo queimou."
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